Vamos falar sério (ou seja, parar com a hipocrisia) sobre a interpretação da Bíblia em seu contexto. Vivemos numa época em que as línguas das grandes civilizações que floresceram durante o tempo dos escritores bíblicos foram decifradas. Podemos aproveitar a produção intelectual e cultural dessas civilizações que estão ao nosso dispor. Essa produção é enorme - milhões de palavras. Podemos recuperar o contexto da visão de mundo dos escritores bíblicos como nunca antes. O mesmo é verdade para os escritores do Novo Testamento, porque eles herdaram o que existiu antes deles, por sua vez, parte de um mundo do primeiro século, dois mil anos longe de nós.
Pense nisso. Como alguém que vivesse mil anos a partir de agora iria entender algo que você escreveu, a menos que eles tivessem você dentro da cabeça deles? Eles precisariam entender o seu quadro de referência. Eles precisariam saber o que estava acontecendo no mundo de sua época, quais eram as suas potenciais preocupações, o que te irritava, encorajava ou te deprimia. Eles precisariam entender a cultura do seus dias para serem capazes de analisar por que você está usando esta palavra e não essa, ou para processar adequadamente uma expressão. Não há maneira de fazer isso a menos que recuperem o seu quadro de referência.
Isso é o que significa interpretar no contexto - recuperar o antigo quadro de referência e interpretar em conformidade. O que acontece é que Bíblia tem sido interpretada e compreendida de acordo com o nosso contexto - a nossa moderna estrutura cognitiva. Isso é totalmente anacrônico, mas é onde muitos cristãos vivem (pastores e leigos).
Mais especificamente, quero dizer que a crítica (talvez bem intencionada, mas, no entanto, equivocada) direcionada ao que estou dizendo é essencial para uma interpretação bíblica precisa.
Alguns críticos da interpretação da Bíblia em seu contexto original antigo, presumem que isso é contrário à hermenêutica Cristocêntrica. Suponho que depende de como entendemos esse termo. Muitos presumem que isso significa que nenhuma interpretação de qualquer passagem (especialmente o AT) é válida a menos que "revele Jesus". Outros parecem sugerir que, como Jesus esteve aqui, agora precisamos filtrar cada passagem através de seu primeiro advento e obra na cruz.
Eu discordo com ambos os sentimentos - e também acho que nem é realmente como devemos pensar sobre a interpretação "Cristocêntrica".
As abordagens acima resultam na perda da intenção original para a qual Deus providencialmente inspirou os autores do AT. Isso não é uma mera observação intelectual. A hermenêutica Cristocêntrica realmente exige que evitemos interpretar o AT à luz de seu antigo contexto no Oriente Médio? Que evitemos interpretar o NT de acordo com estes resultados - deixando o contexto original do AT dar a sua própria contribuição do AT para a exegese do NT? O AT corretamente entendido em seu próprio contexto não violará o que lemos no NT. O que lemos no NT será iluminado pelo AT bem entendido. Em muitos casos, isso nos ajuda a entender as coisas "estranhas" que os escritores do NT fazem com o AT. Em alguns casos, ele vai na realidade corrigir nossas interpretações de como o escritor do NT manipulou o AT. Quando consideramos os escritores judeus do Segundo Templo atingindo o alvo em sua interpretação do AT, em seu contexto original, e permitindo que os escritores do Segundo Templo auxiliem a nossa leitura do NT, obtemos um duplo benefício.
Uma autêntica hermenêutica Cristocêntrica não ignora o contexto original de qualquer passagem do AT, em nome de fazê-la dizer algo totalmente diferente, de modo que se conecte confortavelmente a algo que Jesus fez ou disse. Em vez disso, uma hermenêutica Cristocêntrica coerente reconhece que todas as partes da Bíblia, corretamente entendidas em seu contexto antigo original desempenham um papel na formação de um mosaico que finalmente nos direcionará a Cristo. Nem tudo na Bíblia é sobre Jesus e não precisa ser, para contribuir com a progressão e o resultado do plano de Deus para a humanidade - a pessoa e a obra de Jesus Cristo.
Em suma, você não precisa apagar ou evitar o contexto original de qualquer passagem para chegar onde a Bíblia quer levá-lo. Frequentemente, o apelo à Cristocentricidade é uma desculpa para se evitar o trabalho em estudar os detalhes para compreender o texto em seus próprios termos ou é uma forma de afastar a nossa atenção para longe de uma passagem que seja impar ou as vezes até desconfortável com o que aprendemos e ensinamos durante muitos anos. Isso definitivamente não honra a decisão providencial de Deus de preparar e levar os escritores bíblicos a produzirem o material que prepararam - quando o fizeram, pelas razões que o fizeram, e pela visão de mundo e estrutura cognitiva que desenvolveram em meio às experiências de vida que a providência de Deus lhes deu. Dito de outra forma, uma hermenêutica Cristocêntrica não precisa distorcer ou apagar nada do AT. Deus sabia onde queria chegar quando preparou e fez pessoas no segundo milênio aC no Oriente Médio a escreverem algo que Ele queria escrito e preservado.
Não são apenas partes das Escrituras que são inspiradas, "Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça..." (2 Timóteo 3:16).
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